Centro X Periferia, Periferia X Centro… ? Se até os continentes no mapa mundi são ampliados ou diminuídos e a escolha desta ou daquela tomada dos planisférios evidenciam relações de poder, quem detém a legitimidade do discurso para apontar quem está num ou noutro lugar? Com seu trabalho pictórico, Marcelo coloca em questão essas hierarquias construídas, apresentando um “lá” que bem poderia ser um “ali”, ou ainda: aqui e agora!
Agora, por captar com delicadeza a despretensão do instante cotidiano e banal. Aqui, pela materialidade das camadas de tinta que não economizam os pentimentos e palimpsestos – sobreposição e descascado decadente que não alcança nem deseja a deselegante arrogância das elites nesta que vem a ser uma das sociedades mais desiguais do planeta.
Ele extrai com precisão a beleza do desenho das grades de ferro dos jardins de cimento e seus preciosos vasos de planta, a força da Santa de devoção predileta, o prolongado jogar conversa fora entre uma e outra cerveja, incontáveis saideiras dos botecos pé sujo, e falando em sujos, os blocos, o êxtase dos clóvis, fantasia alegre e sinistra em suas repetições de cores e listras minimalistas, causando nas crianças contentamento e pavor. Nem a mídia mainstream foi poupada, tendo no fanzine seu outro lado da moeda, aproveitando para uma homenagem bem humorada a ícones da geração 80 e a coroação da rainha Anna Bella. Deus salve a pintura! O fim da pintura, que nada!
Marcelo não tem pudores em pintar colar reafirmar a beleza do cafona, belo porque vivo, vivo, porque vida de gente de carne e osso, encarando todo dia dor, delícia, alegria de ser o que é, coisa difícil de se achar nos desfiles de manequins plastificados na estreita faixa de asfalto da zona sul carioca.
Marta Bonimond
Artista e Professora da UFRJ