Grades

Rosalind Krauss, (1978)

No inicio desde século começou a aparecer, primeiro na França e depois na Rússia e na Holanda, a estrutura que se tornou emblemática da ambição modernista dentro das artes visuais até então. Surgindo nas pinturas cubistas do pré-guerra e subsequentemente tornando-se mais rigorosa e manifesta, a grade anuncia, entre outras coisas, o desejo modernista pelo silêncio, sua hostilidade à literatura, à narrativa, ao discurso. Assim sendo, a grade fez o seu trabalho com uma eficiência impressionante. A barreira que ela baixou entre as artes da visão e aquela da linguagem foi quase totalmente bem-sucedida em apartar as artes visuais para um reino de visualidade exclusiva, defendendo-a contra a intrusão do discurso. As artes, é claro, pagou caro por este sucesso, porque a fortaleza que construíram com a fundação da grade tornou-se progressivamente um gueto. Cada vez menos vozes da critica geral do establishment foram levantadas em apoio, apreciação, ou análise das artes plásticas contemporâneas.

Ainda assim é seguro dizer que nenhuma forma dentro de toda a produção estética modernista se sustentou tão implacavelmente enquanto, ao mesmo tempo, sendo tão impenetrável a mudanças. Não é apenas o número total de carreiras que foram devotadas a exploração da grade que é impressionante, mas o fato desta exploração nunca ter escolhido um campo tão pouco fértil. Como as experiências de Mondrian amplamente mostram, desenvolvimento é precisamente o que a grade resiste. Mas ninguém parece ter se detido diante deste exemplo, e a prática modernista continuou a gerar cada vez mais instâncias de grades.

Existem duas maneiras com as quais a grade funciona para declarar a modernidade da arte moderna. Uma é espacial; a outra temporal. No sentido espacial, a grade atesta para a autonomia do reino da arte. Achatada, geometrizada, ordenada, ela é antinatural, antimimética, antirreal. É assim que arte se parece quando ela dá as costas à natureza. No achatamento que resulta de suas coordenadas, a grade é a maneira de reduzir as dimensões do mundo real e substituí-las pelo espaçamento lateral de uma única superfície. Na regularidade generalizada de sua organização, é o resultado não de uma imitação, mas de um decreto estético. Na medida em que sua ordem é puramente relacional, a grade é uma maneira de revogar as reivindicações dos objetos naturais de terem uma ordem particular a eles mesmos; as relações no campo estético são postas pela grade como sendo de um mundo aparte e, em relação aos objetos naturais, como sendo ao mesmo tempo precedentes e finais. A grade declara o espaço da arte como sendo, ao mesmo tempo, autônomo e autorreferente.

Na dimensão temporal, a grade é um emblema da modernidade por ser apenas isso: a forma que é onipresente na arte de nosso século, mas que jamais havia aparecido, jamais mesmo, na arte do século anterior. Naquela incrível corrente de reações da qual o modernismo nasceu, nos esforços do século XIX, uma mudança final resultou na quebra desta corrente. Ao “descobrir” a grade, o cubismo, de Stijl, Mondrian, Malevich…. aterrissaram em um lugar que estava fora do alcance de qualquer coisa que aparecera antes. O que significa, que eles aterrissaram no presente, e tudo mais se tornou passado.

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Deve-se viajar um longo percurso na história da arte para encontrar exemplos prévios da grade. Deve-se retornar o século XV e XVI , para tratados sobre a perspectiva e para estudos requintados de Uccello ou Leonardo ou Dürer, onde a grade da perspectiva é inserida no mundo, copiado como uma armadura de sua organização. Mas os estudos de perspectivas não são uma instância anterior das grades. As perspectivas eram, afinal de contas, a ciência do real, não uma maneira de se afastar dela. Perspectiva era uma demonstração da maneira como a realidade e sua representação podiam ser mapeadas uma na outra, da mesma maneira que a pintura e seu referente no mundo real de fato se relacionavam – o primeiro sendo uma forma de conhecimento do segundo. Tudo na grade se opõe a esta relação, corta-a desde o início. Diferentemente da perspectiva, a grade não mapeia o espaço de uma sala ou de uma paisagem ou de um grupo de figuras sobre a superfície da pintura. Na verdade, se ela mapeia algo, ela mapeia a superfície da pintura em si. É uma transferência onde nada muda de lugar. As qualidades físicas da superfície, poderíamos dizer, são mapeadas nas dimensões estéticas da mesma superfície. E aqueles dois planos – o físico e o estético – são demonstrados como sendo o mesmo plano: coextensivos e, pelas abscissas e coordenadas da grade, coordenados. Considerados desta forma, a linha de fundo da grade é um materialismo determinado e nu.

Mas se é sobre o materialismo que a grade vai nos fazer falar – e parece que não existe outro meio lógico de se discutir – esta não é a maneira como os artistas já a discutiram. Se abrirmos qualquer tratado – Plastic Art and Purê Plastic Art ou The Non Objective World, por exemplo – vamos encontrar que Mondrian e Malevich não estão discutindo a tela ou o pigmento ou o grafite ou qualquer outra forma de matéria. Eles estão falando sobre o Ser ou a Mente ou o Espírito. Do ponto de vista deles, a grade é uma escada ao Universal, e eles não estão interessados no que acontece lá em baixo no Concreto. Ou, para falar de um exemplo mais atual, podemos pensar em Ad Reinhardt quem, apesar de sua repetida insistência de que “arte é arte”, acabou pintando uma série de nove pinturas quadradas negras nas quais o motivo que inescapavelmente aparece é a cruz grega. Não existe nenhum pintor no Ocidente que possa estar desavisado do poder simbólico da forma cruciforme e da caixa de Pandora espiritual que se abre cada vez que é usada.

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Agora é esta ambivalência sobre a importação da grade, uma indecisão sobre sua conexão com a matéria de um lado ou com o espírito do outro, que seus usuários mais antigos podem ser vistos como participantes em um drama que se estende bem além da arte. Este drama, que tomou várias formas, foi encenado em muitos lugares. Um deles foi na sala do tribunal, onde no início desde século, a ciência entrou em conflito com Deus, e, ao contrário de todos os momentos anteriores, ganhou. O resultado, nos disseram os representantes dos perdedores, teria as mais catastróficas consequências: o resultado seria certamente de que “herdamos o vento”. Nietzsche expressou isso antes e de maneira mais cômica quando escreveu, “Nós desejávamos despertar o sentimento de soberania dos homens ao mostrar seu nascimento divino: este caminho agora está proibido, desde que um macaco se postou na porta de entrada”. Pelos escopos do julgamento, a divisão entre espírito e matéria que foi presidido ao longo da ciência do século XIX tornou-se a herança legítima do ensino infantil do século XX. Mas também foi, não menos, a herança da arte do século XX.

Dada a fenda absoluta que se abriu entre o sagrado e o secular, o artista moderno encarou obviamente a necessidade de escolher entre um modo de expressão e o outro. A curiosa testemunha que a grade oferece é que nesta conjuntura ele tentou optar por ambos. Na crescente dessacralização do espaço no século XIX, a arte tornou-se um refúgio para as emoções religiosas; tornou-se, o que continua sendo, uma forma secular de crença. Embora esta condição pudesse ser discutida abertamente no final do século XIX, é algo inadmissível no século XX, pois agora achamos indescritivelmente embaraçoso mencionar arte e espírito em uma mesma sentença.

A força peculiar da grade, sua extraordinária vida longa no espaço especializado da arte moderna, vem de seu potencial de presidir sobre este constrangimento: de mascará-lo e de revelá-lo ao mesmo tempo. No espaço culto da arte moderna, a grade serve não apenas como um emblema mas também como um mito. Como em todos os mitos, lida com o paradoxo ou a contradição não por meio da dissolução do paradoxo ou da resolução da contradição, mas ao cobri-los de maneira que pareçam (apenas pareçam) terem desaparecido. O poder mítico da grade é de nos possibilitar pensar que estamos lidando com materialismo (ou às vezes ciência, ou lógica) enquanto que ao mesmo tempo ela nos possibilita nos libertar da crença (ou ilusão, ou ficção). Os trabalhos de Reinhardt ou de Agnes Martin seriam instancias deste poder. E uma das fontes importantes deste poder é a maneira como a grade é, como disse antes, tão estridentemente moderna de se olhar, parecendo não haver deixado lugar para refugiar, nenhum espaço em sua face, para esconder os vestígios do século XIX.

Ao sugerir que o sucesso da grade está de alguma forma conectado a sua estrutura mítica, posso ser acusada de estar esgarçando um ponto para além dos limites do senso comum, uma vez que os mitos são estórias, e como toda a narrativa eles se desenrolam através do tempo, enquanto que as grades não são apenas espaciais para começar, mas são estruturas visuais que explicitamente rejeitam uma narrativa ou qualquer modo de sequência de leitura. Mas a noção de mito que estou usando aqui depende de um modo estruturalista de análise, no qual as feições da estória são rearranjadas para formar uma organização espacial.

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O motivo pelo qual os estruturalistas fazem isso é que eles esperam entender o funcionamento dos mitos; e esta função eles vêem como uma tentativa cultural de lidar com a contradição. Ao espacializar a estória – em colunas verticais, por exemplo – eles estão aptos a mostrar as feições das contradições e de mostrar como isso está subjacente nas tentativas, de uma estória mítica específica, de encobrir a oposição com a narrativa. Portanto, ao analisar uma variedade de criações místicas, Lévi-Srauss encontra a existência de um conflito entre as noções antigas das origens do homem como um processo de autoctonia (o homem nasceu da terra, como plantas), e outros depois envolvendo as relações sexuais entre os pais. Pelo fato das primeiras formas de crença serem sacrossantas elas precisam ser mantidas mesmo que violem as visões comuns sobre sexualidade e nascimento. A função do mito é permitir que ambas visões aconteçam em algum tipo de suspensão para-lógica.

A justificativa para a violação da dimensão temporal do mito é proveniente, portanto, dos resultados das análises estruturais: ou seja, a progressão sequencial da estória não atinge um resultado, ao contrário, é reprimida. O que significa que, para uma determinada cultura, a contradição é algo poderoso, algo de que não se pode livrar, mas que só irá, por assim dizer, para as profundezas. Portanto as colunas verticais da análise estruturalista são uma maneira de desenterrar as oposições ingovernáveis que promoveram a criação do mito, antes de tudo. Podemos criar uma analogia entre este procedimento e o da psicanálise, onde a “estória” de uma vida é similarmente vista como uma tentativa de resolver contradições primárias que, persistem em permanecer na estrutura do inconsciente. Pelo fato de estarem lá como elementos reprimidos, eles funcionam para promover infindáveis repetições do mesmo conflito. Portanto, outra racionalidade para as colunas verticais (a espacialização da “estória”) emerge do fato de que é útil ver como cada característica da estória (para a análise estruturalista estes são chamados mitemas) enterra-se, independentemente, em um passado histórico: no caso da psicanálise este é o passado do indivíduo; para a análise do mito, este é o passado da cultura ou da tribo.

Portanto, embora a grade certamente não seja uma estória, ela é uma estrutura, e uma que, além do mais, permite uma contradição entre os valores da ciência e aqueles do espiritualismo mantendo-os dentro da consciência do modernismo, ou melhor, no seu inconsciente, como algo reprimido. Para continuar sua análise – para acessar a capacidade da grade à repressão – podemos seguir o caminho dos dois procedimentos analíticos que acabo de mencionar. Isso significa aprofundar em cada parte da contradição até as suas fundações históricas. Não importa o quanto a grade foi ausente na arte do século XIX, é precisamente nestes solos históricos que precisamos ir para encontrar suas origens.

Agora, embora a grade em si seja invisível na pintura do século XIX, ela não é totalmente ausente de certo tipo de literatura acessória a qual aquela pintura deu uma crescente atenção. Esta é a literatura sobre ótica fisiológica. Por volta do século XIX o estudo sobre ótica dividiu-se em duas partes. Uma parte consistiu da análise da luz e suas propriedades físicas: seu movimento; suas feições refratárias a mediada que passava por lentes, por exemplo; sua capacidade de ser quantificada, ou mensurada. Ao conduzirem tais estudos, os cientistas pressupuseram que estas eram as características da luz em si, ou seja, como se a luz existisse independentemente da percepção humana (ou animal).

O segundo ramo da ótica se concentrava na fisiologia do mecanismo de percepção: estava preocupada com a luz e a cor como são vistos. Era o ramo da ótica que interessava diretamente os artistas.

Qualquer que fosse a origem da informação – seja Chevreul, ou Charles Blanc, ou Rood, Helmholtz, ou mesmo Goethe – os pintores tiveram de confrontar um fato particular: a membrana fisiológica através da qual a luz passa para o cérebro humano não é transparente, como um painel de janela; é como um filtro, envolvido em um conjunto de distorções específicas. Para nossa percepção humana, existe um abismo intransponível entre a cor “real” e a cor “percebida”. Podemos medir a primeira; mas só podemos experienciar a segunda. E isso se dá porque, entre outras coisas, a cor está sempre envolvida na interação – uma cor afetando a leitura da outra em seu entorno. Mesmo se olharmos para uma única cor, ainda existe interação, porque a excitação retiniana da imagem residual vai sobrepor no primeiro estímulo cromático o segundo, na sua cor complementar. Toda a questão das cores complementares, junto com todo o conjunto de harmonia das cores que os pintores construíram em sua base, foi assim uma questão da ótica fisiológica.

Uma característica interessante dos tratados escritos sobre fisiologia ótica é o fato de serem ilustrados com grades. Porque era uma questão de demonstrar a interação de partículas específicas através de um campo contínuo, este campo era analisado dentro de estruturas modulares e repetitivas da grade. Portanto, para o artista que desejava aumentar seus conhecimentos sobre a visão no campo da ciência, a grade estava lá como a matriz do conhecimento. Pela sua própria abstração, a grade convinha à uma das leis básicas do conhecimento – a separação entre a tela perceptual daquele do mundo “real”. Assim sendo, não é surpresa que a grade – como um emblema da estrutura da visão – viria cada vez mais a se tornar uma característica persistente e visível da pintura neo-impressionista, como Seurat, Signac, Cross, e Luce se empenharam nos estudos da ótica fisiológica. Da mesma forma que não é surpreendente que, a medida que eles aplicavam suas lições, mais “abstrata” se tornava a arte deles, de tal maneira que, o critico Félix Fénéon observou sobre o trabalho de Seurat, que a ciência passou a submeter-se ao seu oposto, o simbolismo.

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Os simbolistas em si permaneceram inflexivelmente opostos a qualquer tráfico entre arte e ciência, ou sob o mesmo aspecto, entre arte e “realidade”. O objeto do simbolismo era a compreensão metafísica, não o mundano; o movimento apoiava aqueles aspectos da cultura que eram interpretações do real ao invés de imitações deste. Portanto, poderíamos pensar, que a arte simbolista seria o último lugar onde se poderia buscar uma versão insipiente das grades. Mas mais uma vez estaríamos errados.

A grade aparece na arte simbolista na forma de janelas, a presença material de seus painéis expressa pela intervenção geométrica dos batentes da janela. O interesse do simbolismo pela janela claramente remonta ao início do século XIX e ao romantismo. Mas nas mãos dos pintores e poetas simbolistas, a imagem toma uma direção explicitamente modernista. Pois a janela é experienciada simultaneamente como transparente e opaca.

Como um veículo transparente, a janela é aquela que admite luz – ou espírito – na escuridão inicial da sala. Mas se o vidro transmite, ele também reflete. Então a janela é experienciada pelos simbolistas também como um espelho – algo que congela e aprisiona o eu (self) no espaço de sua própria duplicação. Fluindo e congelando; glace em Francês significa vidro, espelho e gelo; transparência, opacidade, e água. No sistema associativo do pensamento simbolista esta liquidez aponta para duas direções. Primeiro, no sentido do nascimento – o fluído amniótico, a “origem” – mas depois, em direção ao congelamento estático ou morte – a imobilidade infecunda do espelho. Para Mallarmé, particularmente, a janela funcionava como um signo complexo e polissêmico no qual ele podia também projetar “a cristalização da realidade na arte”. Lês Fenetres de Marllamé data de 1863; a mais evocativa janela de Redon, Le Jour, apareceu em 1891 no volume Songes.
Se a janela é a matriz da ambi ou multi-valência, e as barras das janelas – a grade – é o que nos ajudam a ver, a focar, nesta matriz, ela é em si o símbolo do trabalho de arte simbolista. Elas funcionam como a representação, em vários níveis, através da qual o trabalho de arte pode aludir, e até reconstituir, a forma do Ser.

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Não acho que seja exagero dizer que por trás de cada grade do século XX existe – como um trauma que deve ser reprimido – uma janela simbolista desfilando na forma de um tratado de ótica. Uma vez que percebemos isso, também podemos entender que na arte do século XX existem grades mesmo onde não esperamos encontrá-las: na arte de Matisse, por exemplo (suas Windows), que apenas admite a grade abertamente nos estágios finais dos papiers découpés.

Por causa de sua estrutura (e história) ambivalente a grade é completamente, até alegremente, esquizofrênica. Testemunhei e participei de arguições sobre se a grade prenuncia os aspectos centrífugos ou centrípetos do trabalho de arte. Falando logicamente, a grade estende, em todas as direções, ao infinito. Qualquer fronteira imposta a ela por uma dada pintura ou escultura pode apenas ser vista – de acordo com esta lógica – como arbitrária. Pela força da grade, o tal trabalho de arte é apresentado como um fragmento, um pequeno pedaço arbitrariamente cortado de um tecido infinitamente maior. Portanto a grade opera da obra de arte para fora, nos levando ao conhecimento de mundo além da moldura. Esta é a leitura centrífuga. A centrípeta trabalha, naturalmente, nos limites externos do objeto estético para dentro. A grade é, em relação a esta leitura uma representação de tudo que separa a obra de arte do mundo, do espaço ambiente aos outros objetos. A grade é uma introjeção das fronteiras do mundo para o interior do trabalho; é um mapeamento do espaço, dentro da moldura e em si mesmo. É um modo de repetição, sendo o seu conteúdo a natureza convencional da arte em si.

O trabalho de Mondrian, tomado em conjunto com suas várias e conflitantes leituras, é um exemplo perfeito para esta disputa. O que vemos em uma dada pintura é apenas uma mera seção de uma continuidade implícita, ou é a pintura estruturada como um todo autônomo e orgânico? Dada a consistência visual ou formal do estilo maduro de Mondrian e a paixão de seus pronunciamentos teóricos, poderíamos pensar que trabalhos deste tipo deveriam se manter em uma ou em outra posição; e porque a escolha de uma posição contém uma definição sobre a natureza e a finalidade da arte, pode-se pensar que um artista certamente não gostaria de confundir o assunto ao supostamente sugerir ambos. No entanto, é isso exatamente que Mondrian faz. Existem algumas pinturas que são irresistivelmente centrífugas, particularmente as grades verticais e horizontais vistos nas telas em forma de diamantes – o contraste entre a moldura e a grade reforçando o sentido de fragmentação, como se estivéssemos olhando para uma paisagem através da janela, a moldura da janela truncando arbitrariamente nossa visão mas nunca abalando nossa certeza de que a paisagem continua além dos limites do que, pelo momento, podemos ver. Mas em outras obras, até do mesmo ano, são tão explicitamente centrípetas. Nestes, as linhas pretas que formam a grade nunca conseguem efetivamente atingir as margens do trabalho, e esta cesura entre os limites externos da grade e os limites externos da pintura nos força a ler o primeiro como inteiramente contido no segundo.

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Porque o argumento centrífugo postula a continuidade teórica do trabalho de arte com o mundo, ela pode sustentar muitos modos diferentes do uso da grade – variando de afirmações puramente abstratas desta continuidade até projetos que ordenam aspectos da “realidade”, sendo esta realidade em si concebida mais ou menos abstratamente. Assim na ponta mais abstrata deste espectro encontramos explorações do campo perceptivo (um aspecto presente no uso da grade por Agnes Martin ou Larry Poons), ou nas interações fônicas (as grades de Patrick Ireland), e a medida que avançamos para os menos abstratos, encontramos declarações sobre a expansão infinita dos sistemas de signos feitos pelo homem (os números e os alfabetos de Jasper Johns). Movendo mais em direção ao concreto, encontramos trabalhos que organizam a “realidade” por meio de fotografias integrais (Warhol e, de maneira diferente, Chuck Close) assim como obras que são, em parte, meditações sobre espaços arquitetônicos (Louise Nevelson, por exemplo). Neste ponto a grade tridimensional (agora uma treliça) é entendida como um modelo teórico do espaço arquitetônico em geral, os quais, alguns pedaços, podem adquirir forma material, e no polo oposto deste tipo de pensamento encontramos os projetos decorativos de Frank Lloyd Wright e os trabalhos dos praticantes de De Stijl como Reitveld ou Vantongerloo. (Os módulos e treliças de Sol Le Witt são manifestações tardias desta posição.)

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E, é claro, para a prática centrípeta o oposto é verdade. Concentrando na superfície do trabalho como algo completo e organizado internamente, o ramo centrípeto da prática tende não a desmaterializar a superfície, mas torná-la em si o objeto da visão. Aqui mais uma vez encontra-se um daqueles curiosos paradoxos os quais o uso da grade fica sempre marcado. A atitude para-além-da-moldura, ao adereçar o mundo e sua estrutura, parece traçar sua linhagem de volta para o século XIX em relação às operações da ciência, e assim trazer as implicações positivistas e materialistas de sua herança. A atitude dentro-da-moldura, ao contrário, envolvida como está com a leitura puramente convencional e autotélica da obra de arte, podem parecer emanadas de origens puramente simbolistas, e assim carregarem todas as leituras que se opõem à “ciência” ou ao “materialismo” – leituras que modulam o mundo como simbólico, cosmológico, espiritual, vitalista. Mesmo assim sabemos que, em geral, isso não é verdade. Por meio de um tipo de curto-circuito desta lógica, as grades dentro-da-moldura são muito mais materialistas em caráter (tome os diferentes exemplos como Alfred Jensen e Frank Stella); enquanto que exemplos para-além-da-moldura geralmente correspondem à desmaterialização da superfície, a dispersão da materialidade em centelhas perceptuais ou movimentos implícitos. E nós também sabemos que esta esquizofrenia permite aos artistas – desde Mondrian, até Albers, Kelly e LeWitt – a pensarem sobre a grade de ambas as formas ao mesmo tempo.

Ao discutir a operação e o caráter da grade dentro do campo geral da arte moderna tive que recorrer a termos como repressão ou esquizofrenia. Uma vez que estes termos estão sendo aplicados para fenômenos culturais e não para indivíduos, obviamente eles não se referem ao sentido literal, médico, mas apenas analogicamente: ao comparar a estrutura de uma coisa com a de outra. Os termos desta analogia ficaram claros, espero, na discussão das funções e estruturas paralelas tanto das grades como dos objetos estéticos quanto dos mitos.

Mas, mais um aspecto desta analogia ainda precisa ser trazido à tona, e este é a maneira como as terminologias psicológicas funcionam a certa distância das da história. O que quero dizer é que, falamos de uma etiologia de uma condição psicológica, não de sua história. História, como nós normalmente a usamos, implica um evento após o outro, e o efeito acumulativo da mudança, o que em si é qualitativo, implica na maneira desenvolvimentista com a qual tendemos a perceber a história. Etiologia não é desenvolvimentista. É mais uma investigação sobre as condições de uma mudança específica – a aquisição de uma doença – acontecer. Neste sentido etiologia é mais como olhar no fundo de uma experiência química, perguntando quando ou como um dado grupo de elementos se juntou para afetar um novo componente ou para precipitar algo em um meio liquido. Para a etiologia das neuroses, podemos tomar a “história” do indivíduo, para explorar como se deu a formação da estrutura neurótica; mas uma vez que a neurose é formada, somos especificamente intimados a deixar de pensar em termos de “desenvolvimento” e, ao invés disso, pensamos em repetição.

Em relação ao advento da grade na arte do século XX, existe a necessidade de se pensar em termos etiológicos ao invés de históricos. Algumas condições combinaram para levar a grade à posição de preeminência estética. Podemos falar como estas coisas foram e como elas se juntaram ao longo do século XIX para então apontar o momento da combinação química que foram, nas primeiras décadas do século XX. Mas uma vez que a grade apareceu tornou-se bastante resistente a mudanças. As carreiras maduras de Mondrian ou Albers são um exemplo disso. Ninguém caracterizaria o curso de décadas após décadas de seus trabalhos mais recentes, como desenvolvimentistas. Mas ao privar seu mundo de desenvolvimento, certamente não se está privando de qualidade. Não existe uma conexão necessária entre boa arte e mudança, não importando quão condicionados estejamos a pensar que existe. Na verdade, a medida que mais e mais estendemos nossa experiência da grade, descobrimos que a coisa mais modernista a seu respeito é a capacidade de servir como um modelo anti-desenvolvimentista, anti-narrativo e anti-histórico.

Isto ocorreu nas artes temporais assim como nas artes visuais: na música, por exemplo, e na dança. Então, não é surpresa nenhuma que, ao contemplarmos este assunto, deveríamos anunciar para a próxima estação um projeto de performance baseado na combinação dos esforços de Phil Glass, Lucinda Childs, e Sol LeWitt: música, dança e escultura, projetados para serem um espaço de grade mutuamente acessível.